sexta-feira, julho 29, 2011

Merda!

Voltei a minha vida de plateia. Estava com saudades dela. Mesmo assim, demorei pra me acostumar. Sempre tem algo que grita, uns vinte minutos de peça que dava pra cortar, um gesto que você não acredita, uma música que entra alta demais, um microfone que não funciona, uma cena desnecessária, um ator que não tem tanta presença assim, enfim, nunca é 100%. Mas estou aprendendo, e cada vez mais, a perceber o trabalho que está por trás disso, e respeitá-lo, antes de achar tudo uma grande merda.
Ser plateia, na verdade, não me faz mais feliz. Um espetáculo, quando é muito bom, me incentiva e me inspira pra fazer o meu próximo espetáculo, e isso, sim, me faz feliz. Mas não era pra ser isso mesmo? Pra gente se alimentar da arte, e assim fazer mais arte? Como era, aquele lance da antropofagia, que só ela nos unia, e tals? Não lembro.
Ah, coisas remotas, de uma época em que o teatro era visto de outro jeito, seja como um bálsamo para o espírito, ou como uma forma de ritual, ou até mesmo como uma forma de entretenimento, quem diria, enfim, tempos em que o teatro não tinha que ser necessariamente usado para a militância política, e a gente podia fazer teatro onde quisesse, e para o público que quisesse. Ainda não tinha essa obrigação de fazer teatro engajado, PRA SOCIEDADE, senão ele não tem valor. Mas isso é bobagem, coisa do passado, o legal agora é militar em prédio público ocupado, pegar uma grana do governo pra bancar sua peça feita na periferia e depois correr pra comprar ingresso daquela peça bafo internacional que vem pro Alfa, custa 200 reais, mas quem liga? é pra ver teatro de verdade! teatro como não é feito aqui! teatro bom dos grandes mestres lá fora. no Brasil só tem peça ruim! tudo que eu vejo é uma merda! é uma merda! merda! merda! merda! bora logo fazer esse discurso na assembleia que eu tenho que pegar meu voo pra apresentar minha peça no SESC do Rio.
Bom, é isso, parece que eu sou mesmo uma dessas que fazem teatro pra satisfazer a si própria, pelo próprio ego, como andam dizendo por aí. Uma dessas que não faz teatro PRA SOCIEDADE. Engraçado, achei que eu era parte da sociedade, também, e que isso me dava alguns direitos. Bom, vai ver eu tava errada. Quem sou eu pra discutir com os trabalhadores da cultura, não? Como chama aquele negócio que eu tirei depois de cinco árduos anos de faculdade? DRT? Onde ele anda mesmo? Não lembro.
Eles estão certos, parece. O legal é dizer que o seu trabalho é bacana, exigir dinheiro pra ele, e minimizar a importância do trabalho dos outros. Se não é do meu jeito, não é bom. Estão lá, todos eles, os verdadeiros artistas, sentados em plateias e torcendo o nariz pra tudo que veem. A classe que sustenta a própria classe que diz que luta pela classe mas que no fundo atrapalha a própria classe. E no lugar dela, que é num prédio largado no meio da Santa Cecília, a dois quarteirões da Cracolândia, bem longe dos olhos da grande mídia e DA SOCIEDADE.
Não sei onde perdi o bonde, mas acho que fiquei ensaiando oito horas diárias um tempo aí e as coisas devem ter mudado nessa época. Mas tudo bem, galera, agora tenho tempo e posso ser uma artista de coisas importantes, igualzinha a vocês. Dessas que se acham no direito de decidir pelos outros o que é bom e o que é ruim.
Você, amigo que estuda teatro, você ainda tem tempo, então foge, amigo, foge dessa.
Que você até deve achar que a escola está te ensinando a ser um bom artista, mas se você não tomar cuidado, tudo que a escola vai te ensinar é a ser um chato.
Eu já fui como você, e, acredite, o mundo é muito mais do que isso aí.
O mundo é a tal da SOCIEDADE, e a SOCIEDADE não lê esse blog, não assiste teatro e está cagando pra tudo isso que eu, você e os trabalhadores da cultura estamos falando.