Era um passarinho que caiu do ninho na escada da garagem .
Meu pai, solícito, recolheu o pobre, tentou dar comida, água, mas ele nada aceitou. Ficou apenas piando, piando. Está com a asinha muito curta, pobre. Não sabe voar ainda. Então foi colocado numa velha cadeira de praia com um paninho em cima e tudo bem.
No dia seguinte, alheio aos gatos e todos os demais perigos noturnos, lá estava ele, ainda no quintal. Piando. Piando. Fiz até um carinho na cabeça dele. Já estava começando a gostar do pequeno. E à noite, quando voltei pra casa, ainda ali. A cadeira já marcada com umas belas marcas brancas de cagadas. E ele encolhidinho por cima da camisa velha do meu pai. Piando. Piando.
Mais um dia, e qual minha surpresa ao olhar para a cadeira, depois de ter a curiosidade aguçada por meu pai, e ver que estavam na cadeira três passarinhos. Ele foi buscar reforços? Não, os irmãos caíram do ninho também. OK. Três corpinhos fofos, cinzas e redondos, com a cabecinha pequena e encolhidinhos. Piando. Piando. Nada mal.
Mais um amanhecer. Nada como acordar ao som de passarinhos. Piando. Piando. Ir até o quintal e admirar os três lindos pas.... os quatro lindos passarinhos empoleirados na cadeira de praia. Eles estão procriando? Não, caiu mais um. Caíram todos? É. E olha lá pra antena. O que é isso? São os pais dele. Quem? Os pais dele. Eles estão vindo pra cá trazer comida pros filhotinhos. Comida? É, olha lá o minhocão na boca dela. Ugh. São fofinhos mas comem minhocas. E como cagam, essa cadeira não costumava ser amarela? Sai daí que senão ela não chega perto. Tá bom, tá bom, eu saio. Discovery Channel ao vivo. Que beleza. Minha casa é mesmo um zoológico.
A namorada do meu irmão passou o fim de semana aqui. Ai, como são bonitinhos! Piando. Piando. Mas a Laika não corre atrás deles? Corre nada, ontem ela chegou muito perto, os pais deles já quiseram avançar nela. Como é que é, pai? Esses passarinhos querendo atacar minha cachorra? Esmago esses filhos da puta agora mesmo se machucarem a Laika, mano! Não atacam, não, é só não chegar perto. OK, OK. Meu quintal agora tem território proibido. Chegou perto demais tem passarinho piando lá do alto. Não corra, não se aproxime, não tente fazer carinho na cabecinha deles que eu sou uma mãe ciumenta e posso furar seus olhos e sequestrar sua cadela. Ora, vá, minha senhora, essa casa é minha e se eu quiser andar por ela eu ando e eu sou ser humano e se quiser dar uma estilingada nos seus filhos você não vai poder fazer nada nada ouviu bem nada! Isso aqui é o que agora, Sobradinho dos Pardais? Pelamor.
Pardais, nada, que são todos bem-te-vis. Pena que os filhotinhos só aprenderam a sílaba Vi até agora. De vez em quando um ou outro arrisca falar o Bem. Mas o Te não rola ainda e a frase inteira então só Mamãe e Papai. E se você está dormindo do outro lado da janela isso não é problema nosso, continuaremos praticando nossa seqüência musical de uma nota só, como um bom aluno de violão que teve sua primeira aula e treina seu único acorde bloin-bloin-bloin-bloin-bloin-bloin-bloin-bloin pelo tempo que for necessário. É o sonho da nossa vida, porra! Pra isso somos feitos! Por isso somos chamados de Bem-Te-Vis. Ai, que saco, é de manhã, eu quero dormir, alguém tira daqui esse bando de cagões barulhentos que já espalharam suas manchas brancas pelo quintal toooodo. Mas quem ia tirar? Meu pai? HAN.
Hoje só tinham três no quintal. Cadê o quarto? Foi embora. Aprendeu a voar. Confesso que sentirei saudades. É uma questão de tempo. Ser cuidado. Crescer. Aprender. Abandonar. Todos farão o mesmo. Será que ele aprendeu a dizer bem-te-vi?