Ontem eu fudi minhas costas.
Sabe Deus como, deve ter sido na musculação, o que de qualquer maneira é estranho, porque eu saí da academia as 12h30, e comecei a sentir uma ponta de dor por volta das 7 da noite. Tá, tem aquela história do corpo esfriar e tal, mas porra, meu corpo a esse horário já deveria estar congelado - e aí que eu nem deveria sentir, nada, certo?
Bem, fato é que eu até tentei fazer umas torções e alongamentos antes da peça pra ver se a coisa melhorava, mas tudo foi piorando progressivamente a cada cena e a cada movimento que eu fazia, e acabou que no fim de tudo, depois de ter dor por todo o espetáculo, eu estava completamente travada - doía pra andar, doía pra abaixar, doía pra sentar, doía.
Fui prum atendimento de emergência na Ortocity - minha velha e conhecida clínica de ortopedia que poderia muito bem não ser no Alto da Lapa, longe pra cacete, mas que é a única clínica que eu sei que atende 24 horas e ainda por cima é confiável - e descobri que estou com uma puta inflamação muscular - como um treco desses surge de um dia pro outro? -, tomei uma injeção na bunda dolorida pra diabo, e que obviamente me fez ter tonturas e gastar uns 10 minutinhos deitada numa maca, gastei dinheiro comprando um relaxante muscular e uma nova bolsa de água quente, que a minha estourou de tanto usar, uns meses atrás, e hoje já estou conseguindo respirar.
Mas o fato mais curioso de todos - além, é claro, de ver que a Ortocity chegou a um nível de "quero ser clínica de rico cheia de tecnologia" que não distribui mais senhas aos pacientes: você chega e recebe um pager, vai pra sala de espera e depois recebe mensagens do tipo:
Favor comparecer ao consultório 4 ou
Comparecer à sala de medicação - foi o ortopedista, depois de dizer que eu precisava de 5 dias de repouso, me perguntar:
- Você trabalha amanhã?
- Sim.
- Onde?
- Eu tenho espetáculo.
- Quer que eu te faça um atestado, então?
- ...
- Te ajuda, se você entregar lá?
- Na verdade, eu teria que entregar pra mim mesma, então não acho que seria muito útil.
Ele riu e me deu a receita. É, meu querido. Você está de plantão num sábado à uma da manhã, mas eu tenho um emprego que não me permite simplesmente ligar pro meu chefe (?) e dizer:
- Olha, tô mal da coluna, tenho que ficar de repouso por cinco dias, mas te levo um atestado, ok?
É bizarro que estas coisas aconteçam porque começo a pensar que não dá pra evitar nem simplesmente se safar de certas coisas. Eu tô aqui pensando em soluções porque eu sei que, oficialmente, não tenho condições de fazer um espetáculo hoje - como já não tive condições de fazer espetáculo muitas vezes, com amigdalites, febre, pressão baixa, intoxicação alimentar e problemas crônicos no joelho, mas sempre, sempre fiz. Extra-oficialmente, porém, eu sei que não tem ninguém que me substitua como atriz, e como produtora eu sei que não tenho condições de pagar por esse cancelamento, e a coisa fica mesmo grave quando você percebe que fazer um espetáculo mesmo doente, mesmo com MUITA dor, não é mais um orgulho, algo do tipo
artistas de verdade passam por cima de todo o sofrimento - sim, atores e acho que, especialmente, bailarinos e artistas de circo, mais especialmente ainda os jovens, têm esse tipo de pensamento, e devem perder apenas para os atletas - é, aqueles caras cujo auge da carreira chega em 5 anos e vai embora em outros 5, e então a vida deles está destruída pra sempre a não ser que eles virem comentaristas e tenham que trabalhar ao lado de caras tipo o Galvão Bueno, o que, combinemos, não é lá um final muito feliz -, mas é sim uma conclusão de que minha profissão é ingrata, é injusta, é desumana, certas vezes.
Eu ontem representei uma comédia e contei piadas e as pessoas riram de tudo e talvez não tenham nem imaginado o quanto aquilo estava sendo difícil, mas quer saber? Isto não é glamouroso, isto não é heróico tanto quanto parece nos filmes ou livros ou sei lá que outras coisas que exaltam a vida dos artistas - depois que eles morrem, e se tornam lendas, é claro.
É sofrido.
É difícil.
E o pior é que eu acho que eu não sei fazer outra coisa.