terça-feira, junho 29, 2010

Trilogia do amor - parte IV (sic)

Porque o Walt Disney fudeu minha vida...

Deu na Folha:

Folha - Para o senhor, contos de fadas não são benéficos?
Zenon Lotufo Jr.* - Um dos problemas é que se generaliza, como se qualquer dessas histórias tivesse papel positivo. Muitas levam ao conformismo, usam o medo como forma de dominação e apresentam crueldades incríveis.

Até as versões "suavizadas"?
Os contos de fadas sempre foram adaptados às características de cada época. Os irmãos Grimm fizeram isso. Mas há autores que dizem que eles domesticaram os contos, que deveriam voltar a ser como eram. E eram muito cruéis. Não há provas de que a criança se beneficie disso. Esses contos surgiram em uma cultura em que o medo era moeda corrente. Todo mundo vivia com medo.

Hoje, também vivemos com medo...
Sem dúvida, mas é diferente pensar na Europa dos séculos 13 ao 18, com a cultura da culpabilização por meio da religião, as pestes, as guerras, a fome. Os contos de fadas de que estamos falando surgiram nesse contexto e em grande medida reforçavam esse medo para manter a obediência das pessoas. Em geral, culpavam as mulheres e as crianças (quando eram curiosas e desobedientes) pelos problemas.

O fato de ter sempre um final feliz não é positivo?
A mulher e a criança raramente têm um papel ativo no final feliz. Branca de Neve, Bela Adormecida e Cinderela são salvas magicamente. Essa passividade das heroínas tem uma mensagem clara: quem é boazinha, submissa, vai ser salva por um príncipe.

Então não seriam histórias para as crianças de hoje?
As histórias estão aí, ninguém vai suprimir isso. Mas é importante que o adulto que conta a história discuta esses aspectos com as crianças. Outra coisa importante é pensar se são adequadas à idade. Criança muito pequena pode ficar apavorada e não vai entender uma explicação que as contextualize.

Há entre essas histórias as que podem ser benéficas?
Algumas têm uma mensagem claramente positiva. O "Patinho Feio", por exemplo, mostra alguém que é maltratado porque pertence a outro grupo, ajuda a entender o problema da discriminação.

Os contos podem ajudar a criança a elaborar os próprios medos, como perder a mãe ou ser abandonada?
Não há comprovação de que os contos tenham essa função e de que as crianças gostam deles por isso.

E por que continuam fazendo sucesso e atraindo tanto as crianças?
Eu não sei se eles atraem mais as crianças ou os pais. Sempre foram usados como um meio de levar à obediência: não discuta, é assim mesmo. A Chapeuzinho Vermelho é curiosa e desobediente, por isso se dá mal.

Em sua opinião, esses contos não cabem na cultural atual?
Tanto esses contos como muitos super-heróis modernos passam a ideia de um bem completo e um mal completo. Não acho que essa visão maniqueísta faça bem. De uma forma geral, havendo alternativa de uma coisa mais saudável e até mais "contracultural", acho melhor para a criança.

Seria o caso de um filme como "Shrek", em que os personagens típicos dos contos de fada aparecem em papéis invertidos em relação aos "bons" e aos "maus"?
Pode ser. O ogro sempre foi o mal e é apresentado de outra forma, como herói. Isso é uma forma interessante de abordar o assunto.

*Zenon Lotufo Jr. é psicoterapeuta.


sexta-feira, junho 25, 2010

Trilogia do Amor - parte III

Porque já é de praxe...

O amor não fabrica os melhores sonhos. O nome disso é delicatessen. #oamoréoutracoisa
O amor não é alguém que fala contigo de hora em hora. O nome disso é locutor da TeleSena. #oamoréoutracoisa
O amor não é algo q vai crescendo, crescendo, te absorvendo. O nome disso é Tampax. #oamoréoutracoisa
O amor não traça o seu destino. O nome disso é GPS. #oamoréoutracoisa
O amor não te leva a lugares inesperados. O nome disso é sequestro relâmpago. #oamor outracoisa
O amor não te enche de esperanças e perspectivas de sucesso. O nome disso é livro de auto-ajuda. #oamoréoutracoisa
O amor não faz tudo fluir melhor por dentro. O nome disso é Activia. #oamoréoutracoisa
O amor não te dá uma nova identidade. O nome disso é serviço de proteção à testemunha. #oamor é outra coisa
O amor não retribui suas declarações. O nome disso é restituição de imposto de renda. #oamoréoutracoisa
O amor não te deixa saltitante. O nome disso é Pogobol. #oamoréoutracoisa
O amor não te deixa radiante. O nome disso é acidente de Chernobyl. #oamoréoutracoisa
O amor não renova suas energias e cura seus males. O nome disso é Cogumelo do Sol. #oamoréoutracoisa
O amor não faz você dar suspiros. O nome disso é dia de Cosme e Damião. #oamoréoutracoisa
Amor não faz seu coração crescer. O nome disso é Doença de Chagas. #oamoréoutracoisa
O amor não é dividir tudo com o outro. O nome disso é comunismo. #oamoréoutracoisa
O amor não dá sentido ao que está diante de você. O nome disso é legenda. #oamoréoutracoisa
O amor não é o maior experimento da vida. O nome disso é ovelha Dolly. #oamoréoutracoisa
O amor não nos deixa mais bobos. O que faz isso é a revista Veja. #oamoréoutracoisa
O amor não é ferida que dói e não se sente. O nome disso é lepra. #oamoréoutracoisa
Mais em naoehamor.

quinta-feira, junho 24, 2010

Trilogia do Amor - parte II

Porque é uma questão de ponto de vista...

Eu ando desacreditada do amor.
Não sei se ele existe.
Depois que você percebe que o amor é também uma doença, fica difícil manter a ideia de um amor capaz de salvar vidas, ou pelo qual valha a pena sacrificá-la. Ele soa mais como uma bela duma mentira em que as pessoas se agarram para ter em quem colocar a culpa por uma vida miserável ou a responsabilidade por uma vida minimamente feliz. Talvez seja mais fácil acreditar nele do que considerar que a vida realmente não tem sentido algum, que as coisas acontecem ao acaso e que a eterna repetição na qual ela se transforma nunca será interrompida pela chegada de alguém que provará que tudo valeu a pena, e tornará sua existência útil, ao menos por um segundo.
Talvez não haja mesmo nenhum motivo pra você estar vivo, simples assim. Talvez você esteja aqui por estar, e não há nada nem ninguém que fará disso algo legítimo. Nem nada nem ninguém reservado pra você, ou que você mereça, e a vida, meu amigo, seja assim mesmo, cruel.
Bom, como eu ia dizendo, ando amarga.
Ontem assisti Letters to Juliet, um filme romântico e previsível como todos os outros filmes românticos e previsíveis. Mas que possui uma aura completamente envolvente porque traz à tona algo que realmente existe: as tais cartas para Julieta.
Quando você imagina que milhares de pessoas vão a Verona todos os anos olhar um balcão de uma casa medieval onde um dia viveu uma tal de Julieta - que é uma personagem que nunca existiu de um cara chamado Shakespeare que muita gente diz que nunca existiu; quando você imagina que essas pessoas, sofrendo por amor, vão até lá escrever bilhetes e cartas e confessar amores por pessoas que provavelmente nem sabem que tais apaixonados existem; quando você imagina que existem voluntários que recolhem estas cartas diariamente e enviam respostas a quem as remeteu, com conselhos e versos e declarações e seja lá o que for que seja capaz de manter viva a ideia do amor pelo mundo - um amor que ninguém sabe o que é ou se de fato existe;
aí tudo soa tão poético, e a possibilidade de acreditar em algo simplesmente porque acreditar torna a vida mais fácil soa tão revolucionariamente artística, e o esforço dessas pessoas em manter uma lenda viva só para que as próximas gerações continuem a acreditar nela soa tão hercúleo, que fica mais fácil entender porque o mundo continua a insistir em algo que, no fim das contas, não se explica.
Que pode ser que seja isso.
Que o amor seja o pacto ficcional mais bonito que existe.
E que se eu estou sem vontade de contar alguma história pra mim mesma hoje, antes de dormir, seja uma outra questão.

Trilogia do Amor - parte I

Porque bateu saudade...

e porque, no fundo, é sempre verdade.

O amor comeu meu nome, minha identidade, meu retrato. O amor comeu minha certidão de idade, minha genealogia, meu endereço. O amor comeu meus cartões de visita. O amor veio e comeu todos os papéis onde eu escrevera meu nome.

O amor comeu minhas roupas, meus lenços, minhas camisas. O amor comeu metros e metros de gravatas. O amor comeu a medida de meus ternos, o número de meus sapatos, o tamanho de meus chapéus. O amor comeu minha altura, meu peso, a cor de meus olhos e de meus cabelos.

O amor comeu meus remédios, minhas receitas médicas, minhas dietas. Comeu minhas aspirinas, minhas ondas-curtas, meus raios-X. Comeu meus testes mentais, meus exames de urina.

O amor comeu na estante todos os meus livros de poesia. Comeu em meus livros de prosa as citações em verso. Comeu no dicionário as palavras que poderiam se juntar em versos.

Faminto, o amor devorou os utensílios de meu uso: pente, navalha, escovas, tesouras de unhas, canivete. Faminto ainda, o amor devorou o uso de meus utensílios: meus banhos frios, a ópera cantada no banheiro, o aquecedor de água de fogo morto mas que parecia uma usina.

O amor comeu as frutas postas sobre a mesa. Bebeu a água dos copos e das quartinhas. Comeu o pão de propósito escondido. Bebeu as lágrimas dos olhos que, ninguém o sabia, estavam cheios de água.

O amor voltou para comer os papéis onde irrefletidamente eu tornara a escrever meu nome.

O amor roeu minha infância, de dedos sujos de tinta, cabelo caindo nos olhos, botinas nunca engraxadas. O amor roeu o menino esquivo, sempre nos cantos, e que riscava os livros, mordia o lápis, andava na rua chutando pedras. Roeu as conversas, junto à bomba de gasolina do largo, com os primos que tudo sabiam sobre passarinhos, sobre uma mulher, sobre marcas de automóvel.

O amor comeu meu Estado e minha cidade. Drenou a água morta dos mangues, aboliu a maré. Comeu os mangues crespos e de folhas duras, comeu o verde ácido das plantas de cana cobrindo os morros regulares, cortados pelas barreiras vermelhas, pelo trenzinho preto, pelas chaminés. Comeu o cheiro de cana cortada e o cheiro de maresia. Comeu até essas coisas de que eu desesperava por não saber falar delas em verso.

O amor comeu até os dias ainda não anunciados nas folhinhas. Comeu os minutos de adiantamento de meu relógio, os anos que as linhas de minha mão asseguravam. Comeu o futuro grande atleta, o futuro grande poeta. Comeu as futuras viagens em volta da terra, as futuras estantes em volta da sala.

O amor comeu minha paz e minha guerra. Meu dia e minha noite. Meu inverno e meu verão. Comeu meu silêncio, minha dor de cabeça, meu medo da morte.


(João Cabral de Melo Neto, in Os Três Mal-Amados)

domingo, junho 20, 2010

O que eu precisava mesmo era de um brilho no olho.
Algum tão forte quanto o meu.
Me falta alguém pra somar, dividir, multiplicar.
Não vejo mais graça em gente que não vê graça na vida.
Nem em gente que vê graça demais, onde não existe.
Todo o tempo que passei bancando a Frustradinha da Estrela, já não interessa.
Que eu já sei como é - já sei bem - acreditar que se tem um Pra Sempre quando na verdade sempre se teve um Nunca. E continuar acreditando no que não existe, sinceramente, já não interessa.
Muitas coisas já não interessam. Tem as que não entendo, as que ainda não conheço, mas mais do que tudo tem as que não interessam.
E bate a sensação de vazio, típico de gente que dá tudo de si o tempo todo, mais do que deveria, acredita demais, imagina demais, inspira demais, sonha demais. E que cansa das desculpas alheias. Dessas mentiras que você conta pra si mesmo pra fingir que ainda acredita em uma felicidade qualquer que não seja a alheia. Você inventa um mundo pra fingir que ainda é quem você um dia foi. Mas não é mais.
Eu também invento um mundo pra mim. E nesse mundo cabe cada vez menos gente. Já não tem espaço nem pra mim. Mas se eu tento fugir, soa o alarme e alguém sempre me traz de volta.
Pro mundo real.
Onde eu não vejo mais graça.
Qual a graça de um mundo em que ninguém mais se permite sonhar?

segunda-feira, junho 14, 2010

sei lá, mil coisas

Tem a coisa de abrir mão do que não apaixona.
Tem a coisa no filme da Bridget Jones que eu revi ontem - parenteses - o MGM ontem tirou o dia pra exibir comédia romântica, a maioria tinha o Hugh Grant, e ele é realmente muito bom nisso - fecha parenteses - que ela vira pro Hugh Grant e diz: desculpe, mas é que eu ainda estou esperando por algo mais fantástico do que isto.
Tem a coisa de separar o bom e o ruim - as coisas que são pra você e as coisas que não são pra você, simples assim.
Tem uns brinquinhos lindos de pérolas coloridas que eu comprei na 25 de março quinta passada, menina, uma loucura.
Tem a coisa de perceber o que é que te faz levantar toda manhã.
Tem a coisa horrorosa da buzina da Copa do Mundo.
Tem a coisa de criança precisar de limite, mesmo as de 30 anos.
Tem a coisa do cachorro que apareceu morto no quintal da vizinha e o menino resolveu descobrir quem matou o cachorro.
Tem a coisa de quais coisas mais importantes você carrega pela vida.
Tem a coisa de amar mais do que deveria, e o grupo que eu tenho frequentado menos do que deveria.
Tem a coisa de pensar quem vai contar as estórias fantásticas no dia em que minha avó morrer.
Tem a coisa da carência e do excesso de açúcar na mente das pessoas e tem cinco barras de Lindt no armário do meu quarto.
Tem a coisa da casa em que eu nasci estar pra vender e um sonho de um apartamento mobiliado perto da Avenida Paulista.
Tem a coisa das ruguinhas começando a querer aparecer em volta dos olhos.
Tem a coisa do princípio de bronquite bem bizarro e preocupante.
Tem a coisa do cara esquisito querendo ser meu amigo no Facebook. De onde essas pessoas surgem?
Tem um mousse de sonho de valsa na padaria da Camilo com a Aúrélia que é uma coisa.
Tem umas lembranças aí.
Tem um perfume de cereja delicioso.
Tem um sorriso lindo, esse menino.
Teria um excesso de caracteres, se isso aqui fosse o twitter.

sábado, junho 05, 2010

Silêncio

...

...

...

...

... o silêncio é o som da espera.